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{Resenha} Sobrevivendo no Inferno

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Autor: Racionais MC’s
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2018
Sinopse: Na virada para os anos 1990, os Racionais MC’s emergiram como um dos mais importantes acontecimentos da cultura brasileira. Incensado pela crítica, o disco Sobrevivendo no Inferno, de 1997, vendeu mais de 1,5 milhão de cópias. Agora publicados em livro, precedidos por um texto de apresentação e entremeados com fotos clássicas, os raps dos Racionais são a imagem mais bem-acabada de uma sociedade que se tornou humanamente inviável, e uma tentativa radical, esteticamente brilhante, de sobreviver a ela.




Resenha:

Teve um período da minha adolescência em que eu ouvia muito rap. Apesar de sempre ter sido mais fã do rock e suas vertentes, o rap teve uma grande participação na minha vida, e um dos maiores nomes do estilo no Brasil sempre será o Racionais MC’s.

Quando vi a possibilidade de ler um livro sobre o grupo, fiquei muito curiosa, assim como várias pessoas com quem conversei sobre o assunto. Porém, esse livro causou certa decepção aos fãs, quando perceberam que não se tratava de uma biografia do grupo, mas sim da reunião das letras das músicas do disco Sobrevivendo no Inferno, com uma introdução escrita por Acauam Silvério de Oliveira, professor de literatura brasileira da Universidade de Pernambuco.

Apesar de esperar algo mais biográfico, esse primeiro capítulo faz uma introdução bem bacana sobre o que é o Racionais e do que se tratam suas letras, fazendo uma relação com a realidade vivida pelos membros do grupo.

Os anos 90 foram marcados por intervenções da Polícia Militar que causaram inúmeras mortes de vítimas sem chance de defesa. O Massacre do Carandiru, a Chacina da Candelária e a Chacina do Vigário Geral representam uma realidade violenta que não faz parte do nosso (privilegiado) cotidiano, mas nos fazem refletir sobre as consequências desse tipo de intervenção.

“Longe de se tratar de equívocos ou desvios, a série de episódios trágicos configurava-se como um verdadeiro projeto de gerenciamento da miséria por meio da violência. O que a periferia percebeu antes de todos é que esse modelo genocida de organização social, ancorado numa série de mecanismos herdados da escravidão e aperfeiçoados durante a ditadura, não se voltava apenas contra aqueles considerados “criminosos”, tendo se convertido em norma geral, com aprovação quase irrestrita da opinião pública.”

Nesse contexto, no ano de 1997, é lançado o disco Sobrevivendo no Inferno. Os Racionais MC’s já eram um dos maiores nomes do hip hop nacional, mas com esse disco, venderam cerca de 1,5 milhões de cópias e atingiram todos estratos sociais, mesmo relutando em dar entrevistas e divulgar seu trabalho na grande mídia.

Acauam Silvério de Oliveira acredita que com esse disco os Racionais alcançaram sua maturidade estética e crítica, aumentando o número de produções artísticas periféricas, além de um crescente interesse acadêmico, aparecendo em teses, artigos e dissertações. Recentemente, ainda entrou na lista de leituras obrigatórias de um dos maiores vestibulares do país, mostrando que essa obra de 1997 ainda é extremamente atual.

“A atuação do grupo foi decisiva para fazer do rap muito mais que uma simples representação da periferia. Sua radicalidade e seu senso de “missão” (afinal, “rap é compromisso, já dizia Sabotage) ajudaram a desenvolver um espaço discursivo em que os cidadãos periféricos puderam se apropriar de sua própria imagem, construindo para si uma voz que, no limite, mudaria a forma de enxergar e vivenciar a pobreza no Brasil.”

O professor ainda faz uma análise, citando outros estudiosos, das características mais complexas da linguagem dos primeiros álbuns do grupo, que em muitos momentos é formal, assumindo um tom professoral, autoritário, que apesar das denúncias e críticas sociais, muitas vezes não é uma linguagem que representa efetivamente a comunidade periférica.

Já em Sobrevivendo no Inferno, eles mostram uma grande mudança de postura, de perspectiva, com mais humildade, assumindo uma imagem chamada pelo autor de “pastor-marginal”, que “deseja salvar a alma dos irmãos desgarrados, livrando-os das mãos do demônio, mais próximo e mais destrutivo do que se imagina.”

Em todo o disco se encontram diversos elementos do imaginário cristão, incluindo a cruz na capa, trechos do Salmo 23 na capa e contracapa, e imagens do grupo em vários ambientes de uma igreja, e também nas paisagens de suas “quebradas”.

O professor Acauam fez uma análise minuciosa do disco em todos os sentidos, tanto na parte de linguagem e estética, quanto do conteúdo e mensagens de suas letras. Poderia ficar horas lendo suas impressões sobre a obra, uma pena que seja apenas um capítulo.

“Sobrevivendo no inferno é a imagem mais bem-acabada de uma sociedade genocida que se tornou humanamente inviável, e uma tentativa radical, esteticamente brilhante, de sobreviver a ela.”

A edição é muito bonita, com fotos da banda e com as laterais das páginas douradas, tudo feito com o máximo do capricho pela editora.


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