
O Mensageiro, último volume da trilogia O Doador de Memórias, é um livro leve e de simples leitura mas nem por isso deixa de ser um livro consciente, fazendo críticas político-socais de maneira sutil e metafórica - assim como fizeram seus antecessores na série. Com uma narração em terceira pessoa, muitas passagens reflexivas e descrições minuciosas, os fatos fluem suavemente e é fácil perder-se nesse mundo de fantasia.
No primeiro livro, O Doador de Memórias, a autora nos apresenta um universo onde uma pequena comunidade é controlada maquiavelicamente sob o pretexto de que o poder de escolha somente pode levar ao caos. Em A Escolhida, segundo volume da série, temos uma segunda comunidade, com novas personagens, novos modos de controle, novas ambições. Ambos os livros foram leituras maravilhosas mas.. sem conexão alguma, infelizmente. Iniciei a leitura de O Mensageiro imaginando que o padrão fosse ser seguido e que me depararia com uma terceira comunidade; qual não foi minha surpresa quando percebi que (óh, céus!) os universos dos livros anteriores finalmente iriam se encontrar!
A trama central desenvolve-se basicamente na Vila, um local onde pessoas que sofreram em suas comunidades natais finalmente encontram apoio e sossego. A história dessas pessoas sempre é de muita angústia e miséria até que elas decidem enfrentar os mistérios da Floresta - a única maneira de chegar até a Vila - e torcer para que encontrem a paz da qual, até aquele momento, só tinham ouvido falar. A comunicação entre a Vila e as comunidades é escassa: a Floresta isola o pequeno vilarejo e andar por ela é uma missão que poucos podem realizar. Um desses poucos, quiçá o único, que consegue viajar livremente pela Floresta sem ser atacado por ela é Matty, apresentado aos leitores no livro anterior.
Matty divide uma casa na Vila com Vidente, um cego que tem o dom de uma visão especial. Tudo caminha em paz na comunidade: os refugiados das comunidades chegam e recebem maravilhosas boas-vindas, as colheitas são igualmente divididas, cada um tem um papel importante dentro da comunidade e o desempenha com muito afinco. Entretanto, a chegada de um estranho comerciante ao vilarejo mexe com a estrutura dessa pequena sociedade. A realização de Feiras de Negócios, tradição dos aldeões e motivo de festa para todos, tornaram-se palco para as ofertas do incomum e sombrio negociador. Aos poucos, aqueles que faziam trocas com o tal mercante sutilmente foram perdendo suas melhores e mais marcantes características.
Os moradores da Vila, antes altruístas e solícitos, sempre dispostos a ajudar o próximo, agora tinham olhos e tempo apenas para si mesmos. O egoísmo cego nascido naquela estranha Feira de Negócios tem seu ápice quando o vilarejo decide fechar suas fronteiras e negar refúgio para aqueles que viam na Vila uma esperança final; tudo isso sob o pretexto de que havia poucos mantimentos e os aldeões deveriam pensar em si mesmos, não preocupando-se com a necessidade alheia.
Sem entender o porquê de tamanha desventura, Vidente pede a Matty que viaje pela Floresta até a comunidade onde vive sua filha, Kira, e a traga para o vilarejo antes que os portões sejam selados. Contudo, Matty, pela primeira vez, é repelido pela Floresta. Antes um ambiente de paz e serenidade, agora a Floresta era sombria e cheia de armadilhas, como se também estivesse sofrendo da mesma mazela que o vilarejo. Nessa jornada, Matty tem de descobrir seus segredos e o da Floresta se quiser sobreviver.
Embora seja o terceiro livro da série, é possível, tranquilamente, entender (e amar) a história sem ter lido os volumes anteriores - embora talvez alguns detalhes não sejam tão empolgantes como foram pra mim. Diferente dos volumes anteriores, O Mensageiro não tem como foco a crítica social, mas sim um sentimento de reflexão sobre o caráter humano e sua capacidade de influenciar o meio e as pessoas à sua volta, usando, para isso, passagens contemplativas e reflexivas.
Li (devorei) o livro em um dia, quase não saio da cama agarrada a ele (e se saísse, geralmente o levava comigo também, haha); é impossível controlar a curiosidade de saber o que espera na página seguinte. Cada personagem tem uma história de sofrimento e de superação, é muito fácil apegar-se a eles, sofrer com eles, torcer por eles. A empatia nesse livro é um sentimento constante, isso eu garanto.
O final é inesperado e tocante, impossível não se emocionar; o que mais me marcou foi a curiosidade inquietante de saber o que houve depois - sentimento raro para mim ao final de uma leitura. Foi como se faltasse algo após aquele desfecho, algo explicando melhor (por quê?! como?!)... Mas talvez eu só não queria aceitar o final de uma história tão bela, não é? Aceitando ou não, o fato é que O Mensageiro me encantou, e muito. Foi o livro mais suave da trilogia e o que mais me cativou; e se você tiver um pouquinho de sorte, talvez ele cative você assim também.
ISBN: 978-85-8041-568-1
Páginas: 160
Editora: Arqueiro
Ano: 2016
Edição: 1